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  • sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

    LIVRO DE ARTISTA - A carne dos livros e os livros de artistas: entre linhas, peles, pespontos e palavras

                                 
    Livros de arte por um lado e a arte de fazer livros por outro. Os livros, sem dúvida nenhuma, sempre caminham lado a lado com a arte e muitas vezes se confundem com ela própria, como é o caso, por exemplo, da categoria ambivalente dos livros e cadernos de artistas.

    Durante muito tempo os livros especializados em arte ou que portavam reproduções de obras de arte fizeram o papel do “museu imaginário”, descrito por André Malraux, entre os anos 50 e 60. 

    A fotografia, enquanto dispositivo tecnológico acabou substituindo os esforços da gravura na função de povoar os livros com reproduções de pinturas, esculturas e de construções arquitetônicas, de diversas épocas e de toda parte do mundo, possibilitando o conhecimento virtual/imagético da produção artística entre povos de várias culturas.

    Se por um lado o ofício do livro de arte é o de transmitir e disseminar o conhecimento de obras por meio de imagens, há outra categoria que não deve ser esquecida, em que o ofício da arte – e não apenas em sentido artesanal – está na confecção do próprio livro. 


                                            Luisa Gomes Cardoso
    Bispo do Rosário, caderno de artista de Eduardo Denne,
    Canteiro de Alfaces e Caza Arte Contemporânea
    Diante desta inversão, encontram-se, por exemplo, empreendimentos como o Canteiro de Alfaces: da lombada à costura precisa, entre colas e capas coloridas e/ou monocromáticas, muitas vezes reproduzindo em suas capas imagens de obras de artistas conhecidos, o Canteiro de Alfaces, apresenta uma vasta produção de livros e cadernos personalizados, feitos à mão. 

    Já, tratando-se de cadernos e livros de artistas, estes configuram uma categoria híbrida de objetos de arte, uma vez que tanto, pode ser interpretado por seu valor estético quanto por seu viés literário. 

    Mais antigos do que se imagina, os cadernos de artistas figuram na história da arte, sobretudo, como preciosos testemunhos para as corajosas aventuras de além-mar, envoltas pela fumaça inebriante do ópio. Descritos através de imagens e palavras precisas, os cadernos de artistas expõem o exotismo e a sedução das culturas dos povos não pertencentes ao velho mundo. É o caso dos cadernos de viagem ao Marrocos de Delacroix, produzidos em 1832. 

    Menos desbravadora, mas, não menos tocante, está à poesia encontrada nos desenhos que cobrem inteiramente as páginas dos cadernos de Turner. Rápidas impressões atmosféricas, esboços, e croquis, que atestam toda elegância dos traços do artista.

    Para abordar os livros de artista, enquanto categoria objetual é preciso mencionar o estabelecimento da Arte Conceitual. Inúmeros foram os trabalhos realizados com esta concepção de livro-objeto, e que atravessaram a década de 60, até os dias de hoje. 

    Poder-se-ia citar, artistas de várias partes do mundo que deram grande contribuição, como por exemplo: Robert Filliou, e seu Poussière de poussière, n. 30-100, de 1977, além de artista alemão Joseph Beuys com Evervess II, de 1968, só para citar alguns artistas que fizeram parte do coletivo Fluxus. 

    No Brasil, é imprescindível citar, dentro dessa categoria, artistas de peso e importância histórica como Waltércio Caldas e Paulo Bruscky, além do artista luso-brasileiro Artur Barrio, que chegou a produzir durante a década de 70, os cadernoslivros. 

    Este conceito de cadernos-livros é ironicamente explicitado por uma das muitas frases dispersas encontradas nos objetos e que diz o seguinte: "CadernosLivros não são diário de artista".

    Talvez não haja, de fato, esse tipo de intimidade, nem de aproximação na obra de Barrio, muito embora, se trate de uma obra complexa e sensorial. Fato que se comprova na elaboração do famoso trabalho “Livro de carne”, de 1978-79, que vem a exemplificar a categoria dos livros de artistas. Talvez um dos mais impactantes e estudados da história da arte brasileira. Visceral como a maior parte das obras de Barrio, o livro feito de carne, atesta com sangue e matéria sujeita à putrefação, a crítica social e política e aborda destemidamente a institucionalização da arte, criando uma obra que se desfaz diante do próprio público, apelando a todos os sentidos.

    A escritora e poetisa Ana Cristina César, dizia que seus escritos funcionavam na verdade como cardemos terapêuticos. Nada mais distante da brutalidade orgânica das obras de Artur Barrio, oriunda, em parte, dos dias de repressão sociopolítica e ideológica.

    Livros de artistas e cadernos de artistas, livros de arte e a arte de fazer livros, temas e pares que se misturam, se penetram, e por fim se apartam, revelando uma pluralidade quase infinita de formas, funções e significados que ampliam os sentidos e escapam do óbvio. 


    Renata Gesomino

    Doutoranda pelo PPGAV-UFRJ, curadora e crítica de arte independente.

    CRÍTICA - Diante da Montanha – os agregados de Julio Castro

    Entre os grandes desafetos dos deuses gregos encontramos um em especial conhecido pela sua fama de driblar a morte e retornar ao mundo dos vivos, pelo que foi condenado a realizar um árduo trabalho que consistia em empurrar uma pedra montanha acima que, tão logo para lá era conduzida, rolava montanha abaixo. Essa rotina se repetia infinitamente. Tratava-se de um castigo para lembrar ao homem, reles mortal, da sua condição voltada ao pequeno mundo de sua vida cotidiana.

    DIVULGAÇÃO/AGREGADOS DE JULIO CASTRO
    Tal e qual Sísifo, nosso pseudo-herói, Julio Castro engendra suas ações nessa série de trabalhos intitulada Agregados o seu rolar de pedras particular em que vai aparando arestas sem, contudo, dar-se por concluído seu gesto de repetição e acumulação. A cada nova montagem que realiza extrai de suas matrizes outro fôlego daquilo que poderia nos parecer exaurido e nos surpreende com a determinação de quem não esmorece diante da montanha. Ao contrário, ressalta percepções que se mostram inesgotáveis, possibilidades que só o tempo pode projetar sobre a fatura do verdadeiro artista. E nessa construção anti-monotonia está a façanha maior de seu projeto de intrínseca disciplina: resistir aos apelos do contraditório e retificar cada demão com a segura camada de confiança de quem sabe aonde quer chegar. Em uma sucessão de formas e cores muito próximas umas das outras é que nos deparamos com a poética vigorosa centrada então no arranjo que aquelas recebem do artista. Vemos uma profusão genuína de novos símbolos gráficos que, em um diálogo aberto com a teoria do símbolo de Edgar Morin, marcam distinções e conexões sobre a representação do que está além da realidade percebida ou memorizada.

    Essa força irresistível que move o artista é o que se procura enxergar diante de uma obra de arte. No caso de Julio Castro percebemos antes seu imaginário que sua técnica, ressaltando seus indícios de trajetória apenas os elementos constitutivos do seu trabalho. Ele nos faz refletir sobre a condição de cada um de nós diante das intempéries em que podemos escolher entre ser a mão que move a pedra ou simplesmente a pedra que rola sem destino.



    Artista visual, poeta, curador independente, mestre em Poéticas Visuais pela ECA-USP e sócio fundador do Espaço Eu Vira

    RESIDÊNCIA ARTÍSTICA - TERRA UNA levará artista para a Colômbia


    Fotografia de Rodrigo Braga, TERRA UNA 2008
    As inscrições para o Prêmio de residência artística TAC – TERRA UNA 2013 encerram no próximo dia 13. Pelo sexto ano consecutivo, cinco artistas brasileiros serão contemplados com uma bolsa para desenvolver trabalhos, entre 20 de fevereiro e 12 de março, na Eco Vila Terra Una em Minas Gerais. Ao final, um deles será premiado com uma viagem à Colômbia, para residência de um mês no Residencia en la Tierra. Além disso, os participantes escolhidos vão realizar, ainda no primeiro semestre, uma exposição coletiva de suas obras na galeria carioca TAC - Toulouse Arte Contemporânea, na Lapa (rua Mem de Sá, 319).

    A Ecovila TERRA UNA fica em uma área de 48 hectares dentro da APA da Serra da Mantiqueira, em Minas Gerais. Buscando integrar moradia, trabalho, educação, arte e lazer, o projeto de residência consolida-se a cada edição como um centro educacional transdisciplinar de integração rural-urbana. O objetivo é difundir um modelo de vida mais sustentável. Além das casas dos moradores, a estrutura engloba um salão de vivências, um galpão para atividades práticas, ateliês, dormitórios, camping, cozinha e refeitório comunitários, hortas, viveiro de mudas, plantios de média escala e sistemas agroflorestais, além das belezas naturais das montanhas, florestas, rios e cachoeiras.

    Sendo, atualmente, organizado por Nadam Guerra, Domingos Guimaraens e Beatriz Lemos, o Terra UNA já recebeu mais de 70 artistas ao longo das últimas edições. Entre eles: Laura Lima, Rodrigo Braga, João Modé, Paulo Nazareth, Marcos Cardoso, Caroline Valansi, Michel Groisman, Mayra Redin, Brígida Campbell e Julio Callado. As inscrições podem ser realizadas no sitewww.terrauna.org.br . A seleção dos residentes será feita pelos próprios artistas inscritos até o dia 27 de janeiro.


    Chandra Santos

    Jornalista