Entre os grandes desafetos dos deuses gregos encontramos um em especial conhecido pela sua fama de driblar a morte e retornar ao mundo dos vivos, pelo que foi condenado a realizar um árduo trabalho que consistia em empurrar uma pedra montanha acima que, tão logo para lá era conduzida, rolava montanha abaixo. Essa rotina se repetia infinitamente. Tratava-se de um castigo para lembrar ao homem, reles mortal, da sua condição voltada ao pequeno mundo de sua vida cotidiana.
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DIVULGAÇÃO/AGREGADOS DE JULIO CASTRO |
Tal e qual Sísifo, nosso pseudo-herói, Julio Castro engendra suas ações nessa série de trabalhos intitulada Agregados o seu rolar de pedras particular em que vai aparando arestas sem, contudo, dar-se por concluído seu gesto de repetição e acumulação. A cada nova montagem que realiza extrai de suas matrizes outro fôlego daquilo que poderia nos parecer exaurido e nos surpreende com a determinação de quem não esmorece diante da montanha. Ao contrário, ressalta percepções que se mostram inesgotáveis, possibilidades que só o tempo pode projetar sobre a fatura do verdadeiro artista. E nessa construção anti-monotonia está a façanha maior de seu projeto de intrínseca disciplina: resistir aos apelos do contraditório e retificar cada demão com a segura camada de confiança de quem sabe aonde quer chegar. Em uma sucessão de formas e cores muito próximas umas das outras é que nos deparamos com a poética vigorosa centrada então no arranjo que aquelas recebem do artista. Vemos uma profusão genuína de novos símbolos gráficos que, em um diálogo aberto com a teoria do símbolo de Edgar Morin, marcam distinções e conexões sobre a representação do que está além da realidade percebida ou memorizada.
Essa força irresistível que move o artista é o que se procura enxergar diante de uma obra de arte. No caso de Julio Castro percebemos antes seu imaginário que sua técnica, ressaltando seus indícios de trajetória apenas os elementos constitutivos do seu trabalho. Ele nos faz refletir sobre a condição de cada um de nós diante das intempéries em que podemos escolher entre ser a mão que move a pedra ou simplesmente a pedra que rola sem destino.
Artista visual, poeta, curador independente, mestre em Poéticas Visuais pela ECA-USP e sócio fundador do Espaço Eu Vira
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