sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

MARIANA MANHÂES - O dia em que o bule falou


Thus (Pearl Shaped Vase), 2012.
Vista da instalação na ShanghART Gallery.
 Xangai, China, 2012.

As tecnologias trouxeram novas ferramentas para a exploração do lúdico. Não é à toa que se há a ideia da exploração de um outro mundo, de uma realidade paralela que, em vez de física, é criada virtualmente. São interfaces de interação que culminam em efeitos e ações que exploram o ludismo do imaginário.

Em seu mais recente livro “The Interface Effect”, Alexander Galloway discute como a interface, quando se pensa nas tecnologias, deve ser considerada como um efeito no campo da metafísica. Para ele, a interface é sempre um processo ou uma tradução. E para traduzir melhor este conceito, ele cria quatro regimes de significação baseados na coerência estética e política. Se esteticamente coerente, a obra se foca em seu próprio processo, em seu centro; se incoerente, a importância está na estrutura, na borda, fora do conteúdo. Para a política, o importante é a linguagem: se coerente, a linguagem e a ideologia podem ser interpretadas facilmente; se incoerente, é a construção de uma nova estrutura.

O trabalho de Mariana Manhães pode ser considerado esteticamente coerente, uma vez que traz o espectador para o centro de seu objeto, e politicamente incoerente, em que busca uma nova linguagem embora mimética a outras áreas. É o que Galloway classifica como Poética. Mariana usa as estruturas e possibilidades das tecnologias (e, neste caso, o hardware mesmo) para dar vida a objetos cotidianos, como um bule ou uma lâmpada. Sua exploração não busca antropomorfizar os objetos, simulando gestos ou reações humanas. Mas criar um novo ser, uma nova possibilidade de interação com o mundo real, físico. O objeto estático deixa de ser passivo à ação humana e cria vida própria, com sua própria linguagem e movimentos únicos. A interação, nesta caso, como me contou a própria artista em uma entrevista, é autista. As obras não conversam com o mundo que conhecemos, com a nossa realidade cotidiana. Elas interagem entre si criando outros signos e linguagens a ser interpretados.


Mariana usa as tecnologias e as possibilidades que elas trazem para criar seres lúdicos que vivem em uma realidade paralela a nossa. A grande diferença é que este mundo não é virtual, mas sim físico. Embora estejam dividindo o mesmo espaço que nós, estão conversando e se relacionando entre si, em uma linguagem ainda a ser desconstruída para ser compreendida.



Thiago Carrapatoso

Pesquisador e mestrando em estudos curatoriais em NY.

CRÍTICA - Inserções em Circuitos Mitológicos - Gian Shimada

Instalação/Site especific. 
Dimensão variável. Gian Shimada. 2012.

Em 1970 Cildo Meireles inaugurou as Inserções em Circuitos Ideológicos com o seu Projeto Coca-Cola que consistia no aproveitamento da embalagem retornável da bebida para lançar dizeres que subvertiam sua ideologia implícita e que novamente circulavam sem qualquer controle de censura prévia em voga naquele período de nossa história. Uma ideia simples que modificou também o modo de ver uma obra de arte. Porém, tal foi sua magnitude que elevou esse projeto a outro patamar dentro da própria História da Arte - o da transcendência.

Esse caráter mítico é explorado por Gian Shimada em sua série Cordel Cultural que incide sobre a própria base do desejo (do artista). Vivemos momentos diferentes daqueles de 40 anos atrás. A democracia da qual podemos usufruir responde hoje por anseios de realização pessoal. Gian nos oferece então, como limite do olhar, o alcance do sucesso que, em seu material de trabalho, recai nos livretos, catálogos, informativos, etc. de peças de divulgação institucionais no circuito das artes visuais. Ele resgata o descarte para neles gravar sua ação restituindo-os agora como objetos artísticos àqueles espaços que servem de palco para mostras de arte. 

Seu processo corresponde ao de uma engenharia reversa cuja finalidade é reavivar legados que, por uma razão qualquer, ficaram adormecidos na memória. Formalmente oferece uma estética popular em contraponto ao rigor conceitual na origem de sua confecção e assim, relaxado das questões exigidas na fatura, deixa ao observador um múltiplo universo poético visual.


Osvaldo Carvalho

Artista visual, mestre em poéticas visuais pela ECA-USP, curador independente e sócio do Espaço Eu Vira