sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

JULIO FERREIRA SEKIGUCHI - O poeta visual da antroposofia e suas rodas de oração


São inúmeras, ao longo da história, as tentativas de pensadores brilhantes de diversas áreas, em concatenar a racionalidade da ciência materialista com questões metafísicas. No campo das artes visuais, sobretudo, tratando-se de arte contemporânea, essa tendência parece sempre caminhar em busca de um conceito de humanismo renovado.

Rodas de Oração, de Julio Ferreira Sekiguchi
Fato que pode ser relembrado, sem a necessidade de recuar muito na história da arte, a partir das primeiras aquarelas abstratas de Kandinsky ou mesmo no suprematismo de Malevich, onde a apreensão da ausência do objeto importa mais que o próprio objeto, e dessa maneira evocar uma série de poéticas que invertem a lógica do pensamento pragmático ocidental.

Há, novamente, no início do século XX, uma vontade sintomática, presente principalmente nos fundamentos da abstração, de reconciliar o dado espiritual com o dado científico, o que caracteriza uma espécie de zeitgeist (espírito de época) que retorna de tempos em tempos, toda vez que o homem parece desequilibrar a balança cósmica e seus valores universais. 

O que se pode perceber num momento de rápida apreensão de algumas obras do artista plástico Júlio Sekiguchi, é exatamente essa vontade humanista revisitada. Um espírito de época capaz de reabilitar valores já desacreditados presentes nas técnicas artesanais e sofisticadas, em disciplinas variadas, e nos objetos do dia-a-dia. 

Esses valores, que em geral se relacionam diretamente com uma questão afetiva, partiram de profundas pesquisas onde o artista retirou parte de seu repertório tomando como base a leitura de teóricos como: Rudolf Steiner e Wilhelm Reich dando sentido às suas escolhas, em pelo menos dois momentos distintos de sua obra. É o caso de “Modelo para reconstrução de camisa”, que nasce da apreciação a um objeto aparentemente banal, como uma camisa de listras laranja.

No entanto, essa mesma camisa listrada ganha outros valores simbólicos, quando o artista desenvolve, através da técnica da costura e da confecção dos moldes, narrativas pessoais que guardam o significado afetivo intrínseco do objeto. A partir deste processo, a camisa é então, inteiramente descosturada, para se retirar o molde, e em cima do mesmo o artista utiliza uma aquarela dividindo os resultados em quatro pranchas justapostas à camisa original, que é novamente costurada, e retorna ao manequim. Há pelo menos duas questões importantes a serem destacadas com esse trabalho. Uma delas é o resgate da costura como uma prática social comum passada naturalmente entre os membros de uma mesma família. O artista parece querer nos mostrar que essas técnicas são anacrônicas e carregadas de um sentido que transcende o sentido utilitário. Uma outra questão é a canonização da camisa que passa de uma categoria de objeto banal para a categoria de obra-de-arte, quando transportada, por meio da mímeses, para as quatro pranchas.

Já no segundo momento encontram-se as “16 rodas de oração”, onde o observador é convidado a interagir diretamente com os objetos circulares que são colocados sob um suporte de forma a permitir a sua manipulação. 

Todos os objetos foram construídos de forma antropofágica, ou seja, possuem conteúdo e forma ligados a culturas das mais variadas, contendo em seu interior três orações, tanto da cultura ocidental, quanto da cultura oriental. 

O objetivo é fazer a ligação do homem com o universo através da arte e há sem dúvida, um contexto profundamente espiritualizado, mas não religioso, ao se produzir objetos que sejam capazes de armazenar pedidos, súplicas, milagres, etc., e em seguida devolvê-los às forças invisíveis. 

Há também, uma preocupação com as características empíricas da física enquanto disciplina teórica, no sentido de que esses objetos passaram por uma concepção racional/funcional. As rodas são vazadas para que o ar entre e saia por elas, absorvendo e retirando as energias negativas, num fluxo contínuo. Assim como há também um misticismo na escolha sutil dos números das obras (todos múltiplos de três), além da presença de cristais amontoados dentro das bases de todas as 16 rodas de oração, sem que o espectador sequer suspeite dessa presença.   




Doutoranda pelo PPGAV-UFRJ, crítica e curadora de arte independente.

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