sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

CRÍTICA - Ecos da Bienal


Às vezes vêm à memória certas imagens que vimos aqui, acolá, alhures. Mas também há momentos que uma canção, um som longe, ainda reverbera em nossos pensamentos ocasionalmente. De fato, minhas lembranças para essa página foram motivadas mais por questões conceituais que afetivas e, nesse caso, por conta de questionamentos acerca da interferência que uma obra de arte para ser ouvida pode ter sobre outra de silêncio contemplativo. Lembrei-me de imediato das tantas instalações sonoras que tive a oportunidade de apreciar na última edição da Bienal de São Paulo e de como funcionaram sem prejuízo das individualidades dos demais participantes. Em verdade foram trabalhos que, no meu entendimento, se destacaram justamente pela sua condição, posto que requeressem ser ouvidos. 

                                       Osvaldo Carvalho
Paulo Vivacqua, O Triplo Ohm

Destaco os arranjos de Paulo Vivacqua, brasileiro, em o Triplo Ohm que nos colocava em estado contemplativo com seu ininterrupto mantra, uma espécie de Om hindu, ao mesmo tempo em que brincava com a sonoridade das duas palavras; Katja Strunz, da Alemanha, com o Som da Era Pré-geométrica, nos oferecia o seu concerto de ruídos com instrumentos conectados a uma antena fora do pavilhão com improvisações inquietas de trepidações, interferências, estáticas; Cadu, brasileiro, e sua Partitura III, que embora apresentasse um trabalho de caixinhas de música cujas partituras eram bilhetes de loteria, me fez ouvir sons de um momento de minha infância com seus trenzinhos os quais traziam pequenas hastes flexíveis de metal que iam batendo em garrafas e copos de vidro vazios compondo uma música casual, imprevisível; Marco Fusinato, australiano, que também é músico, com Distorção Imperical, possuía o barulho mais vibrante e corrosivo que pude experimentar condizente com sua estatística caótica em que luz e som concorrem para a intensidade da forma e do conteúdo da obra; Eduardo Gil, venezuelano, em Leituras de Urina trouxe o desapego autoral ao exibir colchões velhos de berços de orfanatos de São Paulo, nos quais se podiam ouvir intuições mediúnicas de acontecimentos atemporais sobre aqueles que passaram pelos colchões; Helen Mirra, americana, com sua Gravação Horária de Som Direcional, Deserto Sonora, Arizona, junto com Ernst Karel, realizou a performance de caminhar registrando sons de hora em hora (7 horas por dia em 11 dias) pelo deserto. O que podíamos sentir em sua instalação era o desconforto do desconhecido quando ignoramos do que se trata e queremos ir embora ou, no fundo, nem queremos tentar. Incomoda.

E assim volto ao início das especulações que fizeram ecoar em mim aqueles sons da Bienal. Por mais que a arte tenha ampliado ou esteja ampliando seus campos de atuação, ainda há “incômodos”, ainda há “ruídos” que muitos não entendem e teimam em querer sintonizá-los.


Osvaldo Carvalho

Artista visual, mestre em poéticas visuais pela ECA-USP, curador independente e sócio do Espaço Eu Vira 

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