TATIANA FARACHE
Cenário de Anderson Dias para a peça Ifigênia em Áulis. |
Um dia nasceu da terra. Um dia despertou do sono das coisas plantadas. Um dia abriu suas janelas e ainda com areia entre os dedos lavou o rosto. Um dia foi lhe apresentado, com honras, o invisível. Um dia entendeu o que sobra dele e nesse exato momento fez poesia.
Poesia de coisa, poesia que dispensa palavra e dança com as rimas do espaço. Que faz matéria bruta das figuras de linguagem: brinca de metáfora, quando pinga aço dizendo em letras pequenas que é papel, respira metonímia dizendo às porcas e aos parafusos que juntos são homens. Já as hipérboles desfilam, em passos pequenos , estranhamente delicadas, são flores espalhadas pelo palco que quase flutuam, tão pequenas e de sentido tão grande.
Estes são os versos do artista e cenógrafo Anderson Dias, todos eles recitados em silêncio, todos compreendendo o vazio e sua capacidade de preencher espaços. É o artista pensando o espaço cênico, criando volumes, experimentando texturas, pincelando cores nos lugares certos. É o cenógrafo pensando arte, dando ossos ás carnes, estruturas para as coisas serem o que devem ser. Portas , janelas, varandas, geladeiras e se necessário até a corda para o enforcado que volta e meia aparece em roteiros trágicos.
Os cenários de Anderson são discursos sem palavras. Linguagem muda. Conta a história nos detalhes. Não são apenas lugares hipotéticos onde a cena se passa, ele é a cena. Faz parte dela do início ao fim, é ativo, transpirante, se necessário se despedaça e renasce a cada espetáculo ou então, permanece perene se assim o dialogo estabelece.
Poeta que um dia nasceu artista e que no outro despertou cenógrafo, Anderson Dias guarda as qualidades de todos esses delicados e transformadores fazeres.
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