sexta-feira, 21 de setembro de 2012

ADIR BOTELHO - Barbárie e espanto em Canudos

A Canudos descrita por Euclides da Cunha é uma cidade histórica feita de taipa e fé, um sonho religioso e comunitário que congregou milhares de pessoas e se desfez em cinzas. Ela se situava ao lado do rio Vaza-Barris, local de acesso difícil, cercada por serranias no interior do sertão baiano.

Já a Canudos de Adir Botelho se situa num local de acesso ainda mais difícil. Para entrar nela não se faz qualquer esforço físico, mas é necessário um esforço de outro tipo, muito mais sutil - o esforço da imaginação.

Diante das 120 xilogravuras expostas que compõem a série Canudos, desenvolvida em 20 anos consecutivos de trabalho e publicada pela EBA/UFRJ, em 2002, veremos que não se trata de uma tradução literal daquela guerra. Na verdade, o que se percebe é que o autor desta série quis recriar Canudos de um ponto de vista novo, que fosse pessoal e capaz de alcançar a universalidade. Sua principal inspiração foi a obra de Euclides da Cunha, Os Sertões, mas sua principal ferramenta de trabalho não foram suas goivas e sim sua rica imaginação baseada numa sensibilidade expressionista, que deu forma inquietante ao caos daquela guerra através de uma técnica xilográfica irrepreensível.

ADIR BOTELHO. Canudos, xilogravura, 37,5 X 50,5 cm, 1985.
Acervo do MNBA. 
Com isso, Adir Botelho faz de cada gravura um ser único, dotando-a de uma visualidade formalista e de claras referências à linguagem da Arte Popular e ao Realismo Fantástico, o que propicia uma nova dimensão aos acontecimentos: forte denuncia da tragédia da guerra com um marcante toque de ironia. 

Profunda contundência, no entanto, suas xilogravuras alcançam quando tratam mais especificamente das crueldades que foram perpetradas tanto por jagunços quanto por soldados. Nestas gravuras, Adir Botelho cria cenas de horror, mas, paradoxalmente, repletas de beleza plástica, capazes de atingir intensamente nossa emoção através do aspecto estético.

Enfim, o visitante da exposição sentirá uma profunda emoção ao se defrontar com imagens originais, poderosas e mobilizadoras de nossos sentimentos mais recônditos, pois será tocado por um tipo de beleza que não é a da linguagem clara e objetiva do consciente, mas a da linguagem da arte que vive no subconsciente, todavia, conduzida pela experiência sólida de um artista plenamente senhor de seus meios e técnicas.

Mas para bem seguir este caminho e sentir esta emoção, voltando ao princípio deste texto, necessário se fará trilhá-lo pelo viés da imaginação, vendo cada xilogravura como uma porta diferenciada para penetrar no estranho e trágico universo de Canudos.


ADIR BOTELHO – BARBÁRIE E ESPANTO EM CANUDOS,
Xilogravuras e desenhos da coleção do MNBA – 17/09 a 11/11 de 2012 
Galeria 3 da CAIXA CULTURAL RJ



Ricardo A. B. Pereira

Artista plástico, professor e mestre em Artes Visuais (História e Crítica da Arte) pela
EBA/UFRJ.

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