sexta-feira, 24 de agosto de 2012

BISPO DO ROSÁRIO III - Fé, Criação e Glória

continuação da parte II

O artista e o conjunto de sua obra foram descobertos por Hugo Denizart. Com a curadoria de Frederico de Morais, seus trabalhos foram exibidos pela primeira vez em uma coletiva “A margem da vida”, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1982, com o artista ainda vivo.

Em 1989, foi inaugurada no Parque Lage a primeira mostra individual em sua homenagem. No início de 1993, porém, sua criação veio à luz com toda força, após sua morte, quando o MAM-RJ promoveu a mais completa retrospectiva de Arthur Bispo do Rosário. Logo em 1995, veio a consagração internacional na 46ª Bienal de Veneza (Itália) e com a exibição de suas obras em instituições de referência no mundo das artes, como Fundação Cartier (França), Galeria Jeu de Paume (França), Galeria Oriel Mostyn (Reino Unido), Tate Liverpool (Reino Unido), Centro Galego de Arte Contemporânea (Espanha), Fundação La Caixa, Galeria Whate Chapel (Reino Unido), Irish Museu de Arte Moderna de Dublin (Irlanda), Museu Guggeheim (Estados Unidos), Museu de Arte Contemporânea de Tóquio (Japão), Instituto Valenciano de Arte Moderna (Espanha) e 11ª Bienal de Lyon (França), entre outros.

De fato, a obra de Bispo do Rosário deve ser compreendida como uma grande e única Obra, uma instalação na qual o artista morava, criava e sonhava, nas dependências de um hospital psiquiátrico do Rio de Janeiro, a Colônia Juliano Moreira. A Colônia era o exemplo da psiquiatria disciplinar que intervinha sobre o corpo submetendo-o ao enquadre da Norma e do Controle por meio de técnicas da violência (eletrochoque, lobotomia, castigos) e da internação compulsória (quiçá por toda a vida – como a que se refere a esse artista, por 50 anos!).

Arthur Bispo do Rosário criou a sua Obra num conjunto de celas-fortes. Com sua criação artística, ele operou a alquimia da transformação daqueles espaços da dor, do horror e da humilhação, espaços esses tidos como “de hospital”, destinados ao tratamento da doença mental. Isso tudo ele transformou num lugar de vida, de cultura, de liberdade e de saúde. Sendo assim, foi o primeiro a trabalhar a reforma psiquiátrica “de dentro”.

O empreendimento de Arthur Bispo do Rosário não se deu por demanda de tratamento: ele nunca frequentou oficinas de terapia ocupacional; nem tomava remédios; nem se submetia a psicoterapias. Ou seja, ele recusou todo e qualquer tipo de tratamento psiquiátrico. Sua Obra foi criada como uma ação de resistência ao processo de degradação humana e de constituição de subjetividades assujeitadas no asilo psiquiátrico.

A obra de Bispo do Rosário evidencia todos os movimentos e tendências da arte do século XX. Mais ainda: ela ilustra a racionalidade que opera no pensamento contemporâneo ou pós-moderno. Neste, as modalidades da semelhança, da representação e do historicismo são ressignificadas e coexistem, sem a necessidade de superação ou de exclusão entre si. Esses dois elementos – o da presença das questões da arte que atravessaram o último século e o das distintas racionalidades – se somam ao fato de que, enquanto as vanguardas das vanguardas engatinhavam, na década de 1970-80, no âmbito mundial, na afirmação da arte contemporânea como algo distinto de uma mera “arte moderna de vanguarda que se faz atualmente”, Bispo do Rosário apresentou, naquele contexto, a sua “obra completa de uma vida” como um mapa composto por mil mãos, um mapa do tamanho do mundo.

O universo de 804 obras deixadas pelo artista, hoje tombadas pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac), está aos cuidados do Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea, no Rio de Janeiro. Essas obras proporcionam que cada um possa conferir o porquê do seu reconhecimento como um dos mais influentes artistas da arte atual no Brasil e no mundo, criando o “Efeito Bispo” e sendo fonte de inspiração e investigação na criação de muitos artistas contemporâneos, como Rosana Palazyan, Rosana Paulino e Leonilson. Essa influência, no entanto, ultrapassa os limites das artes visuais e chega na música, no cinema, na literatura e na moda.

Para Arthur Bispo do Rosário, foi necessário produzir duração no campo do libido, mais do que acelerar ou reter o tempo. Pode-se falar de uma temporalidade atemporal do processo do artista. Seu destino filosófico último era deixar sua participação na criaçao de um “Novo Universo”. Isso tudo é mostrado num grande conjunto, como ele mesmo pensou: um caos do mundo de Arthur Bispo do Rosário. Vamos ver e penetrar no processo de criação “ Bispiano “… Esse Bispo!



Wilson Lazaro
Curador Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea-MBR AC

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