sexta-feira, 1 de junho de 2012

O PASSAR DAS HORAS - O lugar negociado no qual o trabalho se move



Na suíte Captura da Luz, composta por mídias expressivas diversas, o contexto como cerne energético das obras busca sua viabilidade. Espelhando uma frase Borges que afirma que “todas as coisas nos acontecem precisamente, precisamente agora (...) e tudo que realmente sucede, sucede-se a mim”, minha vontade estabeleceu-se em ações realizadas através de intervenções diretas no lugar. Para isso muito contribuiu a percepção que nos assalta quando estamos por muito tempo, atentos ao que alguém fala ou lê. Percorrer com os olhos o ambiente foi importante porque esclareceu, por exemplo, acerca do caminho que a luz do sol percorria no atelier, naquele fim de outono no Rio de Janeiro. Muitas vezes desloquei objetos, pela inconveniência de minha posição, ofuscado, cego de luz. Se capturar a luz é o princípio básico da fotografia, e fotografias percebidas numa sequência produzem o efeito cinema. Nesse caso, o cinema se constituiria na conjuntura formada por aquele momento, naquele lugar. Sendo o dispositivo sensível, a sala; e tendo como projetor, o sol; a maneira de marcar as superfícies enquanto a luz percorria o recinto, revelando as aberturas da arquitetura, foi feita com giz branco. De um extremo a outro do atelier, as projeções do sol foram marcadas na sequência de um intervalo que durou aproximadamente vinte minutos. Resultando em marcas superpostas em diagonal de cada janela, sugerindo o percurso elíptico da órbita terrestre e o eixo inclinado do planeta. Naturalmente, esse trajeto é diferente a cada dia, devido à mudança de posição da Terra e também das condições climáticas. O que significa que não há segurança no sentido de haver luz incidindo diretamente sobre o local na data marcada para uma possível apresentação. Esse dado inquietante foi acionado como mais uma, aliás, uma dupla afirmação do enunciado de Borges: o sentido do trabalho corroborando o sentido de único e pessoal, e de vulnerável, contido na sentença. Incorporando a força dos acontecimentos como o cerne da obra. Dessa maneira, tudo que ocorresse já estaria de antemão no trabalho, incluindo sua não aparição como evento visual, como fenômeno. Nesse caso, sob o imperativo dos fatos, talvez o trabalho assumisse a estratégia de resolver-se como um labirinto verbal. Apresentado, apenas, como narrativa do processo de concepção da proposta.


Este texto é parte da dissertação de mestrado Lugares de Inscrição da Arte: artistas, coletivos de artistas e certa arte pública praticada na cidade. LV|PPGAV|EBA|UFRJ. 2010.


Hélio Branco
É artista. Sua pesquisa envolve as relações da arte da contemporaneidade considerando o domínio público em suas múltiplas acepções. Concebe e desenvolve trabalhos em mídias expressivas diversas. Atualmente é doutorando pelo PPGAV/EBA/UFRJ.



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