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  • sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

    EXPOSIÇÃO - Transfiguração do Rastro

                          Obra de Antonio Bokel na exposição ‘Transfiguração do Rastro’

    Antonio Bokel vem se destacando dentro de uma nova geração de artistas no Rio de Janeiro. A coletiva Gramática Urbana, realizada em Março desse ano, trouxe Bokel junto com outros nomes em ascensão como Joana César e Alê Souto.  Em comum, o gosto pelo suporte urbano para intervenções e improvisos que reproduzem a violência expressiva e os ruídos de espontaneidade das ruas. 

    Em Transfiguração do Rastro, individual inaugurada no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, Bokel divide em duas salas momentos distintos de sua trajetória de quase uma década. Na primeira, escura, composta de algumas de suas primeiras pinturas, nota-se a filiação direta com expressionismo abstrato norte americano. De Jean Michel Basquiat veio o gosto por traços fortes e cores intensas,  visível na série de  máscaras africanas. 

    Suas obras iniciais são marcadas por esse traço firme, pela influencia do grafite e a linguagem direta , integrando também textos às obras. Nelas encontramos um artista lançado à experimentação constante e à procura de uma voz própria, abertamente dialogando com suas fontes.  A vivacidade de formas e cores, entretanto, não corresponde a uma integração absoluta ou passiva à atmosfera hedonista do Rio de Janeiro. Tanto no grito primal de criaturas vorazes e disformes, quanto  na figuração da monstruosidade do sonho libidinal carioca pela sua colossal Globeleza, encontramos Bokel reagindo ao ethos local marcado pela artificialidade das promessas de felicidade instantânea. 

    Sua produção mais recente se concentrada em um espaço branco, limpo da agressividade pictórica. Nele Bokel procura o traço essencial, o mínimo e indispensável, abrindo mão da  de cores e movimentos.  Ainda encontramos registros textuais, mas, além de ocasionais, eles apenas complementam a afinidade harmônica do trabalho.

    Menos reativo e mais afirmativo, nesses trabalhos Bokel parece dar indícios de estar encontrando um caminho próprio para além do incomodo. O cerceamento da autenticidade individual por sonhos efêmeros de consumo instantâneo ainda estão presentes, mas são figurados e domesticados por formas mais sólidas e austeras. 

    Ciente da sua andança errante, marcada por intervenções improvisadas na cidade e contato direto com seus becos e sombras, Antonio Bokel apresenta sua trajetória. Porém, ao invés de forjar nexo e coerência, tão frequente em retrospectivas individuais, Bokel regurgita a essência simbólica do imponderável chamando-a prudentemente de rastro. 



    Bruno Garcia

    Historiador

    DESENHO - Pequeno diário de trabalho. Ficção para vontades de infinito

    Pequenas Ascensões’ de Isis Quaresma.
    Série de desenhos em ascensão contínua.
    Fazendo-me  passar por Isis Quaresma ao seu pequeno diário de trabalho :

    Dia 1 -  Dessa tabula rasa, desse branco dormente que respira vontade, um impulso me guia. Dá-se a mim com as formas de um desenho.  Liberta, minha mão se enche da coragem. É mais forte. Um desenho: um desejo. A folha me inspira.  

    Dia 2-  Expira e não entendo. É um  movimento , é  minha mão se animando, ganhando vontades, respondendo a leis que já não me pertencem .  Ela sabe que  lhe foi cabido esse  entendimento  que acompanha a humanidade.  Labor. Esse fazer e refazer  eterno do mundo.
     Uma superfície: um desenho.  Um desenho de mim.

    Dia 1-  Hoje  compreendi  a necessidade da arte e a contingência de seus meios. A necessidade de um dia atrás do outro, a necessidade de fazer belo o olhar e a contingência do que é Belo. Compreendi ainda o  grande acidente de me colocar em linha. Continuo desenhando , eles crescem, ascendem. Já não me pertencem.

    Dia 1- Por que é sempre o começo quando não tem fim.

    Dia 1- Chego a provisórias conclusões: a repetição é o trampolim do devir. A certeza de que o sol sempre nascerá não me tira a surpresa de dia-a-dia revê-lo.  Nas teias  que construo me aguardam coisas que eu não sei.  Uma exclamação possível para cada situação imprevisível. 

    Dia 1 - A cada olhar vejo-o  diferente,  obra mutante mas sempre igual a si mesmo, contradições inerentes ao estar vivo. Aas  relações continuam. Infinita  é a tela, o papel nunca acaba. A tinta... continuaria se acabasse. Ponho-me ao trabalho quando ele me chama. Não vejo o fim. O ponto final só é possível aqui nessas linhas. E ainda assim, me pergunto: - Será?
    Dia 1- ...







    Sabrina Travençolo

    Cientista Social, Artista plástica e integrante do Grupo Garrucha

    FOTOGRAFIA - Magno exercício do olhar


    A fotografia tem, em mãos de bons fotógrafos, o poder de transformar o real sem, contudo, alterá-lo em sua essência, de tal modo que uma transcrição fidedigna de um objeto ou de um local pode adquirir um aspecto abstrato pela simples alteração da escala ou do ponto de vista. Da mesma forma, o que é infinitamente pequeno se confunde aos nossos olhos com o infinitamente grande, como as imagens do interior do corpo humano produzidas com o auxílio de microscópios eletrônicos se assemelham às astrofotografias realizadas com telescópios espaciais.

    Na série de imagens abstratas que tem desenvolvido ao longo da última década Magno Mesquita explora com sabedoria essa peculiaridade da fotografia de modificar a percepção da escala na ausência de um parâmetro reconhecível capaz de nos permitir uma avaliação mental das dimensões do objeto focalizado. Consegue assim embaralhar as pistas e extrair beleza desde as grandes obras de arquitetura — desmembradas em suas partes mais expressivas, como peças de um quebra-cabeça vistas em separado do conjunto — como também em objetos cotidianos, como vidros de perfume, que passam a adquirir contornos oníricos quando observados extremamente de perto com o auxílio da macrofotografia.

    Leonardo da Vinci propunha como exercício de criação a observação das manchas de mofo nos muros, para que os artistas aprendessem a extrair das menores e mais banais coisas, vislumbres de seres e universos insuspeitos. Ao estudar detidamente lanternas e faróis de carros com idêntica atenção, na série Lumínias, Magno Mesquita realizou idêntico exercício do olhar, extraindo da frieza dos elementos industriais imagens de um universo futurísco imaginário. Visões de um fotógrafo que tem olhos de ver e vendo, transforma aquilo que é visto.



    Pedro Afonso Vasquez

    Escritor, tradutor, fotógrafo e curador.