• Você está em 08
  • sexta-feira, 25 de maio de 2012

    NILTON PINHO - Recuperador e Intérprete

    Instalação ‘Descabidos’ de Nilton Pinho na Caza Arte Contemporânea

    Há uma carga afetiva, emocional e conceitual em todos os objetos que nos cercam. Desde o primeiro machado de pedra, desde o biface paleolítico até as mais requintadas formas criadas para fruição estética e sensorial que a civilização e a cultura puderam produzir, essa afirmação é de uma obviedade irritante. Eles, os objetos – dos mais imediatamente utilitários até os perfeitamente sem função, da perna mecânica que tenta ser algo perdido do nosso corpo até o pequeno marfim chinês que apenas alegra os nossos olhos ou os nossos dedos – são a nossa vestimenta mais vasta e os fósseis indiferentes à nossa passagem pela terra.

    É com essa matéria-prima estranha e banalíssima que a arte da assemblage – essa que tem em Nilton Pinho um dos seus mestres no Brasil – se materializa. Arqueólogo de nossa ignorada história, salvador das relíquias desamparadas dos nossos sonhos, Nilton Pinho percorre as feiras de antiguidade e os depósitos dos catadores de papel, os sacos de lona dos trapeiros e o grande cemitério de indícios humanos que a cidade gigantesca e alheia produz a cada dia, e com os nossos restos, um encontro inesperado e iluminador de duas ou mais coisas que nunca se encontrariam, de resquícios nossos que desapareceriam antes que uma mão providencial os transfigurasse, cria um fenômeno novo, uma grande arte.

    As assemblages de Nilton Pinho não necessitam de palavras justificativas, daí a inutilidade destas. A emoção contida nelas salta aos olhos dos que as encontram, e essa força expressiva intrínseca e contundente não depende das verbalizações críticas tão imprescindíveis nesse momento de fabulosa mistificação artística. As bonecas degoladas, as fotos de lares desfeitos pela morte ou pela vida, as roupas sem dono, as molduras vazias e as luvas que sonham com dedos desfeitos, tudo renasce, pelas mãos do artista,em um outro sonho e em um presente salvador. O passado penetra no tempo unânime, o futuro se desfaz no átimo de eternidade que há em toda obra de arte, e todos podemos sentir, com uma alegria insólita, algo de perene e vivo em pleno seio das nossas perdas.

    Alexei Bueno
    Poeta


    PAÇO DAS ARTES - SP - O pitoresco mora ao lado

    “Viagem pitoresca através do espaço ao redor da minha casa” de Daniel Caballero

    No Paço das Artes, em São Paulo, estão abertas as exposições relativas à 2ª e 3ª Temporada de Projetos. Seis artistas com diferentes pesquisas visuais apresentam seus trabalhos. Após se passar pelas pinturas de Paulo Almeida ou pelas colagens com cédulas de Rodrigo Torres, há o encontro com outra série de imagens expostas sobre a parede.

    Prendedores sustentam folhas de papel de diversos tamanhos que sutilmente se sobrepõe e sugerem a forma de um irregular mosaico. À primeira vista são “desenhos detalhados da natureza”. Com um olhar atento, fica claro que nenhuma imagem é dada de modo direto. Uma árvore surge ao centro do papel, numa configuração semelhante à ilustração científica. Seu protagonismo, porém, é parcial; um poste, um filho da “natureza hominídea”, é envolvido por seus galhos. Há o atravessamento de elementos discrepantes: a árvore que se alastra de modo horizontal e pictórico através de suas folhas e a coluna elétrica que intervém linearmente com seus cabos que escapam das margens. Ambas as bases destas diferentes colunas metropolitanas estão pintadas de branco; o que leva o homem a tentar aproximar visualmente árvore e poste? De que adianta homogeneizar seus “pés” se será necessário rasgar parte da árvore para que a eletricidade se propague?

    Um agrupamento de objetos no espaço expositivo amplia a tensão encontrada nestes desenhos. Uma estrutura assimétrica construída com pedaços de madeira e fita adesiva se transforma em um altar para fragmentos de florestas – não há espaço para árvores, mas para maquetes da paisagem, pequenos vasos de plantas. Canos se interceptam e criam um ruído na apreensão desta estufa fictícia: a linha que ditava ambiências sobre o papel, ganha um caráter expressivo no espaço e impossibilita o domínio por parte do público. Há aqui a lembrança visual de Franz Weissmann somada à consciência de que os ventos contemporâneos são outros. Como dar conta das múltiplas direções desta instalação em um olhar ou fotografia?

    “Viagem pitoresca através do espaço ao redor da minha casa” é o título deste trabalho de Daniel Caballero. Não se pode mais falar num “Brasil”, tal qual Rugendas o fez em seu álbum de imagens, em 1835, assim como não é possível dar conta da diversidade paisagística de São Paulo. Por outro lado, é possível compartilhar a apreensão daquilo que está ao redor de nosso ninho e codifica-lo em visualidade. Transformar suas gambiarras em arte é iluminar não só as precariedades de outras cidades pelo globo, mas nos fazer refletir sobre o frágil e provisório entre e dentro de nós mesmos. O pitoresco mora ao lado.


    Raphael Fonseca
    Crítico, historiador da arte e professor do Colégio Pedro II


    PERFIL - O Portela é nosso !

    Existem muitos casos conhecidos de artistas que tiveram algum tipo de emprego formal. Isso não é novidade. Marco Antonio Portela, é um deles. O que o distingue é a abrangência da sua atuação; artista, professor, curador, além de propositor e produtor de diversas iniciativas como o MAP (Museu de Arte Postal) e o espaço Eu Vira em parceria com outros artistas.

    Série Preguiça, foto de Marco Antonio Portela

    Como artista vem desenvolvendo uma poética que lida com imagens fotográficas impressas em superfícies diversas tendendo a se assumir como objetos. Pensando na pessoa à partir da obra percebo que nada nele se esgota nas suas premissas ou pontos de partida, há sempre no que Marco faz um desejo, diria até incontrolável de ir além de um simples denominador comum entre seus impulsos e o mundo. Portela é plural e transbordante por inevitável vocação.

    Recentemente em visita ao Brasil, durante uma palestra sobre a exposição do artista Roberto Cabot no MAM RJ, o crítico e curador frances Nicolas Bourriaud comparou a produção artística no Século XX ao jorro de um poço de petróleo.

    Do seu trabalho na Petrobrás, Marco se sustenta e cria condições para sua ampla atuação, criando numa generosa forma de viver uma maneira de dividir a riqueza do nosso sub solo e transforma-la em arte, cultura e riqueza estética e prosperidade afetiva.

    Ao contrário da história do petróleo no Brasil marcada por tragédias, traições, polêmicas e acidentes desde o seu início, a trajetória de Portela é um continuo estabelecer de relações afortunadas, estabelecendo como sua estética algo que consegue ser maior que somatório de suas atividades.

    Quase sempre envolvido em projetos gregários Marco Antonio trata também de fazer de seus projetos individuais, como a exposição que apresenta até o dia 18 de julho no Atelie da Imagem, uma oportunidade para envolver colegas e agregar idéias e potenciais. Portela escapa ao modelo tão em voga do artista como produtor de obras destinadas ao consumo como mercadoria em galerias e feiras e reafirma assim uma proposta de artista como agente cultural, que além de oferecer sua própria produção autoral tem em sua atuação um contínuo transformar estético e afetivo. Nele ética e estética são indissociadas.

    Dessa forma o tão anunciado e tão pouco vivido ideal contemporâneo de união entre arte e vida se faz cumprir.


    Bob N
    Artista plástico


    ALEXANDRE MURUCCI - Tradutor do feminino

    Obra de Alexandre Murucci na exposição 'Todos os Dias'
    Recentemente o artista Alexandre Murucci abriu uma mostra individual no centro do Rio em uma Galeria pouco conhecida do grande público, mas que oferece um espaço diferenciado por conta de seu tamanho e localização: no térreo do prédio do BNDES. Com curadoria de Isabel Sanson Portella, o artista apresenta 13 trabalhos que, segundo apresenta a curadora são as bases que o levaram a pensar no universo feminino, e a partir daí elaborar uma série de trabalhos que transitam sobre questões que orientam/desorientam a alma feminina.

    Os trabalhos apresentados oferecem a oportunidade de conhecer mais intimamente a poética deste artista múltiplo que trabalha com esculturas, objetos, fotografias, vídeos, etc. Essa mostra intitulada TODOS OS DIAS, reúne um conjunto de trabalhos que dialogam entre si entremeados com frases de Clarice Lispector e Nietzsche, por exemplo, falando de amor e solidão, lembranças e distâncias, apego e perda. Isso fica patente em peças como Hoje é seu dia de Princesa, um conjunto de 367 fotos de buquês de noiva que fala do desejo desse enlace e todo o ritual que com ele se promove e Esfinge, em que uma gravata prateada é vazada por um desconcertante buraco de fechadura vermelha.

    Murucci, cuja atuação vai além, é um agitador cultural, curador independente com participação em outro espaço alternativo como a Galeria Vertical em Botafogo, e que recentemente reuniu um time de artistas para a exposição Nova Escultura Brasileira, traz para nós toda a potência de sua reflexão artística num elaborado questionamento que preenche não apenas o nosso olhar, mas nossas mentes com novas perspectivas de pensar a vida.


    EXPOSIÇÃO TODOS OS DIAS
    Até 20 de junho de 2012
    Visitação de segunda a sexta das 10 às 20h

    GALERIA BNDES
    Avenida República do Chile, 100 – Centro – Rio de Janeiro – RJ


    Osvaldo Carvalho
    Mestre em Poéticas Visuais pela ECA-USP, artista visual e curador independente