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  • sexta-feira, 13 de abril de 2012

    RELEITURAS - Hora de mudança

    Arte contemporânea é pensamento sobre a contemporaneidade. Agir, atuar, criando, chutando, depreciando, enaltecendo, devorando, devastando. É todo o presente, de qualquer modo, de qualquer maneira. É a expressão do que estamos vivendo, vendo, dando, recebendo, ganhando, perdendo, lutando, inserindo, dilatando o tempo atual.

    Estamos no inicio do século XXI e é importante a discussão pois viemos do século XX cheio de descobertas, criatividades, merdanças também. Então, vamos armar a fogueira, deixar o fogo crescer, colocar mais lenha e animar a chama pra subir...


    ROBERTO PRECIOSO

    A arte é o que surpreende sempre. O artista é um cidadão do mundo. Roberto Precioso é meritiense de nascimento, caxiense de registro e carioca de batismo. " Um lugar é onde sempre estou. Um lugar é o todo. É onde você vai entendendo o que vê". Me deparei na loja da Caza Arte Contemporânea com um trabalho que me chamou a atenção. Achei mágico e perguntei de quem era. Era de Roberto Precioso. Um bloco quadrado de acrílico com embalagens recortadas dentro em minúsculos pedaços que dão um balanço a obra ao ser manuseada. Esse trabalho vem de uma série de 3 primeiros em vidro. Depois veio a série em acrílico. As embalagens recortadas geram uma desconstrução, outro sentido, outro viés.

    Você nasce artista. E isso vai se desenvolvendo durante a vida. Independe de cursos acadêmicos. Você vai aprimorando as observações, o conhecimento que já era intuitivo". Viaja para Roma e fica voluntariamente um ano na cidade. "Fico para pesquisas. Eu fui porque queria andar. O artista não pode ficar estático". Expõe em Roma na Takeawaygallery e Ópera Única numa interessante coletiva: 24 artistas/24 horas para cada um. Viaja para o País Basco: "toda troca enriquece. Sou um artista de rua. Independente se estou em Roma, Tóquio , Caxias etc ". Produz o Imaginário Periférico em São João de Meriti em 2003. "Considero o Imaginário Periférico um movimento de arte ". Abandona o setor de produção. " Sempre fui artista. Todo o meu comportamento é de artista . Provoco as coisas em mim ". Começa a experimentar, trabalho pós trabalho. "Todo dia estou trabalhando coisas novas. Sempre em busca do ponto seguinte, o que você desconhece. Todo dia o novo, o transformador. Simplesmente fazendo". A produção de obras cresce com a busca incessante de novos conhecimentos, novas mídias, novas experimentações.

    Obra nome: "Esse trabalho vem de muito. Na exposição na Ópera Única, o nome Roberto Precioso aparece pela primeira vez desenhado num bloco de tijolo em letras coloridas. O Obra nome circula em diversas mídias. Esse é o pensamento. " Quero que seja mais visto que falado. No último Imaginário Periférico busquei transformar o nome em objeto". Num muro o artista escreve seu nome em letras grandes. "Eu uso o nome. Nome é objeto imaterial. Ser artista para mim é ser artista. Faço arte e tudo que eu vier a fazer é o futuro ". O trabalho que ilustra a matéria junto ao artista chama-se Releitura . Me surpreendeu também ao vê-lo em cima da mesa na Caza Arte Contempôranea. " A todo instante pode surgir um novo conceito. Não cimento o movimento. Penso sempre em abrir novo caminho. Se você tem as informações, você tem que saber manipular. Vou jogando, misturando elementos... qual o efeito , é assim. A qualquer momento pode surgir um movimento". Sobre arte contemporânea diz : " Tem que se dar nome as coisas, não é ?" Aprovo e aplaudo!


    MARCIO ZARDO

    O filósofo alemão Martin Heidegger profetiza : " o extraordinário é a morada do poeta ". Marcio Zardo mora no extraordinário. Quando vi pela primeira vez o trabalho Pai Duchã fiquei paralisado. Eram várias informações paralelas num só trabalho e quanto humor : "Mau olhado ? Inveja ? Resolvo dificuldade de conceitualização. Melhoro linguagem, gesto e discurso. Vejo futuro nas peças de xadrez... " Aí caiu a ficha : ví homenagem a Marcel Duchamp."

    O título Pai Duchã é um " abrasileiramento" do nome do artista Marcel Duchamp (1887 /1968) . Um dos precursores da arte conceitual. Criou o conceito de ready made, que é o transporte de um elemento da vida cotidiana, a priori não reconhecido como artístico, para o campo das artes". E também os toques nos telefones públicos, nos tapumes : jogo de búzios, procuras-se cão perdido, sexo etc. Anúncios que se vê nas grandes cidades.

    "O inusitado é que eu faço um paralelo com as questões da arte contemporânea. Desde o seu primeiro aparecimento na galeria do poste, em Niterói, já foram dadas diversas consultas por e-mail àqueles que consultam o Pai Duchã". No trabalho consta o e-mail : paiducha@gmail.com. O anúncio é passado para e-mails artísticos numa verdadeira contaminação através da internet.

    Paralelamente a colagem de lambe-lambe no Rio, próximo a centros artísticos. Marcio Zardo sai a fotografar inclusive com intervenções de outros artistas sobre a obra. Um trabalho misterioso, com uma mítica incrível: recheado de instigações e sabedorias. No Vida-te que foi apresentado em 2003, construções poéticas sem regras gramaticais era a tônica: "ora falo, ora falho; ora construção, ora ruína ; ora poético, ora patético... " No meio das frases um ponteiro marca os segundos. No Carimbadas (2012) a palavra original (no olhometro) sugere uma discussão no entendimento da linguagem. "A palavra original é construída de cópias". No cópia da cópia, um rolo de 7m de papel craft onde em cores diferentes com tinta de spray está escrito cópia da cópia. Foi apresentada na exposição Múltiplos Múltiplos (2011) na Caza Arte Contemporânea. "Quando faço, mergulho de cabeça. Sou visceral quando estou produzindo ". Entre individuais : Pronta para Consumo ( galeria Espaço imaginário/ 2010 ), Apalavralavra no Solar Grandjean Montigny ( 2007 ), Arte no limite : ou corrói ou escorre (2006) na Fundação Macaé de Cultura e Arte-Sim não na galeria Maria Martins (2005) e em diversas coletivas o artista Marcio Zardo transita numa leitura do tempo em que vivemos. Dele falou o crítico de arte Reynaldo Roels Jr:

    "Não se trata apenas de palavras, tampouco apenas de imagens; com certeza são palavras e são imagens. É, de inicio, um exercício sobre o limite até onde ambas podem ser fundidas, esticadas e tensionadas. Enquanto ela for capaz de gerar indagações sobre si e sobre o mundo, a arte fará sentido... ".


    CONSTELAÇÕES

    A conferir:
    www.marciozardo.com

    Jorge Salomão
    Poeta, escritor e compositor


    INTERNET - Museu de Arte Postal: todos podemos ser colecionadores

    kkk
    Bob N - Bob e Lola @ Avellanas

    Esse generoso espaço neste jornal nos oferta a oportunidade de falarmos para todos aquilo que acreditamos ser o exercício da arte. Um lugar amplo que aceita inúmeras representações e formatos, liberdade de criação e voz, alforriado das relações de poder e de mercado. Atitude próxima daquilo que vêm a décadas sendo praticado pelo coletivo Imaginário Periférico em suas experimentações e eventos, passando pela Galeria do Poste de Niterói, onde um poste de iluminação ganha status de galeria, chegando a algumas outras manifestações artísticas isoladas que sempre procuraram encurtar espaços entre arte e homem comum abandonando o hermetismo que segrega e elitiza.

    Nesse viés encontramos o projeto Museu de Arte Postal (www.museudeartepostal.com.br) que acabou de lançar no novíssimo Espaço Eu Vira em Santa Tereza sua segunda edição. Um projeto em formato postal, 10 x 15cm que visa provocar uma circulação e incentivar um colecionismo, usando a internet como um dos meios de atuação. Com edições bimestrais de quatro artistas convidados pelo idealizador do museu, que é quem vos escreve, eles propõem, cada, um trabalho a ser impresso com tiragem de mil, assinados e numerados. Esses trabalhos têm um preço bastante baixo para facilitar a aquisição e tensionar às relações com o sistema de arte. Com pouco dinheiro pode-se ter obras autênticas de artistas como Suzana Queiroga, Luiz Ernesto, Bob N e Vicente de Mello, alguns nomes que já foram editados pelo projeto e já estão disponíveis. Com isso o projeto tenta provocar uma reflexão sobre os abusivos preços que as obras de arte atingem no sistema de arte, misturando valor monetário e valor artístico, coisas que nem sempre andam juntas.

    O MAP não possui mantenedor externo, patrocínio, nem tampouco ganhou algum edital, é feito com verba própria. Infelizmente nossas verbas em artes visuais não são tão generosas e são um pouco viciadas e concentradas. Não depender desses mecanismos para tocar projetos possibilita uma liberdade de criação e atuação incrível. Os postais carregam essa liberdade e atingem pessoas que gostam de arte e não de negócios, pessoas comuns que se vêem carregando para casa objetos estéticos acessíveis e não por isso menores.

    Essa liberdade que o MAP carrega e que aprendeu com alguns outros movimentos e ações que o antecederam, é a mesma que essa página vai procurar levar a todos através dessas nossas reflexões e experiências no campo da arte.

    Marco Antonio Portela
    Artista visual, mestre em artes pela UFF e curador independente


    LIVROS E LOMBADAS - Ousadia e coerência na proposta da Azougue

      Cildo Meireles (Encontros)

      Hélio Oiticica (Encontros)
    A Azougue, conduzida pelo coração do poeta Sergio Cohn, é uma das melhores editoras brasileiras. Sua coerência editorial, seu respeito aos autores e sua ousadia em encarar projetos não comerciais contribuem para a afirmação da primeira oração. Some-se a isso tudo a generosidade do editor em apostar em jovens talentos. Aí está a receita de uma editora de respeito.

    Há três anos, a Azougue lançava a Coleção Encontros - livros de entrevistas com pensadores importantes da cultura brasileira, permitindo ao leitor acompanhar a trajetória intelectual do homenageado. No meio de tantos títulos importantes lançados até o momento, vale indicar dois: Cildo Meireles e Hélio Oiticica.

    O volume dedicado a Hélio Oiticica é organizado por César Oiticica Filho, Ingrid Vieira e Sergio Cohn. E como é bom ler as entrevistas que o artista concedeu ao longo de sua vida. Como é importante resgatar diálogos memoráveis - como a conversa com Lygia Pape, em 1978, e sua última entrevista feita por Jorge Guinle Filho, publicada um mês após sua morte. Livro chave para ajudar a decifrar o pensamento instigante de Hélio Oiticica.

    O livro de Cildo Meireles merece atenção especial. Organizado por Felipe Scovino, o volume conta com entrevistas fundamentais. Mas o ponto alto do livro são os depoimentos que fecham a edição. Neles o artista fala sobre suas obras, e suas intenções e provocações.

    Livro provocante e necessário em qualquer estante.

    Paulo Almeida
    Jornalista e consultor de comunicação e marketing