sexta-feira, 27 de julho de 2012

CAMUFLANDO IDEOLOGIAS
Nova série de pinturas sobre colchões de Ligia Teixeira exibe o drama da exclusão social

Mais do que tornar o ato de dormir confortável, colchões são objetos impregnados de simbolismo e memória, aconchegam nosso corpo e poderiam contar a história íntima de nossas vidas. O colchão é o lugar que em geral nascemos, fazemos amor e por fim, morremos.
Homeless - Da série Camuflando Ideologias - 2012, Acrílica sobre colchão

Para Ligia Teixeira eles são ainda mais. Não é por acaso que a artista, desde 2008 adotou o emprego de colchões usados como suporte para suas pinturas. Tanto a estamparia original do tecido e suas costuras, como os rasgos e as manchas amareladas pelo tempo, as marcas nele registradas pelo corpo, o furo queimado por um cigarro – tudo é matéria expressiva que se agrega à construção de novas narrativas. Nesse campo repleto de referências e memórias Ligia lança mão da imaginação para sobrepor personagens que vivem outras histórias.

Sua série de colchões iniciada em 2008 tratou da condição humana refletindo o universo feminino em paixões que se revelaram pelo viés erótico. Nas obras, o pensamento figurativo traçado no universo do desenho e da pintura contesta a especificidade de cada um subvertendo os meios, juntando elementos estranhos, fragmentos e matéria para então fazer com que a pintura transborde na superfície em cores vibrantes.

Herdeira da Combine Paintings de Robert Rauschenberg, a artista cria uma espécie de híbrido entre pintura e escultura explorando fronteiras entre a arte e o cotidiano. Suas obras se relacionam com a arte Pop e seu antecessor Dada no emprego do ready-made de Marcel Duchamp, transmutando colchões em tela. Na vertente mais contemporânea da arte o emprego de colchões para explicitar memórias íntimas provoca paralelos com a artista inglesa Tracey Emin, que compartilhou publicamente sua cama desfeita, rodeada por detritos, na galeria Tate Gallery.

Na trajetória de Ligia Teixeira, o recente desdobramento de suas obras inicias apontam para questões de gênero num contexto social e político mais amplo, envolvendo a exclusão social, conforme a série Wanted, realizada em 2011, e agora em Camuflando Ideologias. Desse modo, seus antigos colchões, que serviam como metáfora e palco para sonhos e devaneios, passam a abrigar o incômodo daqueles que dormem à espreita, sem sequer poder sonhar.


Jacqueline Belotti
Artista, pesquisadora e professora da UFES


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