sexta-feira, 22 de junho de 2012

CRISTINA SALGADO - Vermelho terra


No terceiro andar do Centro de Artes Hélio Oiticica, dentro da exposição “Espelho refletido”, vemos formas orgânicas suspensas, como que a levitar. Se tomarmos distância e nos colocarmos do lado oposto destas esculturas, apreenderemos uma imagem que recordará Pablo Picasso. As experiências do artista em realizar imagens esquemáticas de mulheres em repouso, mas que incitam o movimento através da sinuosidade da linha, são aqui refletidas de modo fragmentado. Longe de compor uma figura clara, nas esculturas de Cristina Salgado fruímos as fatias de carne que compõe isso que apelidamos de “humano”.

Ao tomar proximidade, as formas abstratas se tornam pedaços de um corpo que se explodiu em pequenos meteoros. Dois olhos agora são percebidos como mamilos. As estranhas formas que brotavam de dentro dessas estruturas se configuram como dedos. Lado a lado, se um dedo está ereto e indica uma direção, o outro, assim como uma trompa, ameaça flagelar um seio com sua unha afiada. Janelas da alma pendem e pedem que as nossas se voltem para cima. Circundando-as, pequenos hominídeos flutuam e aguardam o toque do ferrão (ou da unha) “da abelha que voava ao redor de uma romã” para que acordem deste sonho (ou seria um pesadelo?).

Falando em miniaturas, carimbos atravessam as paredes e instauram uma pista de corrida: tendo como ponto de partida os contornos da nudez de uma mulher, a proliferação de marcas em diferentes estados de impressão de pessoas a conduzir cavalos. Nuvens de acúmulo ladeiam áreas mais dispersas e saltam aos olhos algumas solitárias imagens de um grande rosto feminino que substitui os pictogramas assexuados de cavaleiros – o grito de uma amazona?

Um ensaio sobre o vermelho com duas camadas de leitura: a primeira, cromática, se apresenta no pastel da pele, no róseo dos mamilos e no scarlet do esmalte. A outra interpretação se dá de modo mais iconológico: o rubro que advém do sangue e que pode se relacionar à violência, mas ao mesmo tempo se vincula ao desejo sexual – e haveria algo mais contraditório do que este ato que fica entre a dança e a luta?

As vísceras de uma “lady in red”, onde a dama está mais para femme fatale. Em vez de buscar o glamour que a cor poderia oferecer, mais apropriado é um tom de vermelho terra que nos coloca em uma relação instintiva e, nesse sentido, “primitiva” no embate entre o outro e nossas pulsões.


Raphael Fonseca
Crítico, historiador da arte e professor do Colégio Pedro II.


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