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  • sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

    NADAM GUERRA - O Materializador de Sonhos

                                           Pedro Victor Brandão
    Materializador de Sonhos 49 - Piano ao mar.
     Relevo em cerâmica de Nadam Guerra
    Encontro Nadam por acaso na rua. Como o acaso não existe conversamos um pouco e paramos para experimentar o tarô que ele desenvolveu. Faço uma pergunta sobre a vida afetiva. Fico desconcertado em como as cartas podem saber dos meus desejos mais secretos.

    O projeto Materializador de Sonhos foi iniciado em 2008. Desde então o artista coletou 50 sonhos. A partir do sonho, ele aciona o inconsciente coletivo global via google para encontrar as imagens sonhadas na internet e montar uma colagem digital que depois é esculpida em cerâmica. 

    São 50 sonhos de pessoas diferentes, o que gera um universo imagético muito peculiar com uma simbologia contemporânea inesperada. Alguns sonhos trazem símbolos, outros imagens poéticas como a carta 49, Piano ao mar, em que um pianista vai sendo encoberto pelas ondas na praia; e outros são surreais como a carta 28, Não usar maquiagem em sessão espiritual ou a 41, Aliens Pinguins. 

    Estes relevos acabaram formando um tarô como explica Nadam: “Durante o processo de materialização, ou seja, a feitura das esculturas, que poderia durar de uma semana a um mês, comecei a perceber que o sonho que estava se materializando me comunicava coisas sobre os momentos de vida que eu estava passando. Surgiam coincidências e sincronicidades entre vida e sonho que não pude ignorar.” Ele acaba de Imprimir 100 exemplares do Tarô do Materializador de Sonhos, baralho autoral numerado e assinado com as edições de gravura. 

    No site http://grupoum.art.br/nadam/ se pode ver os sonhos e outros trabalhos. 

    - Nadam, conte-me um pouco mais do processo.

    - O sonho na materialização fez um caminho do imaterial ao material, do inconsciente ao consciente, do céu para a terra, literalmente, já que as placas são de cerâmica. No exercício de jogar e ler o tarô, o Materializador faz uma nova ponte ao imaterial, ao inconsciente e ao céu.

    - E como tu vês a relação entre a arte e o que é esotérico?

    Ele sorri e responde:

    - Não há arte que não seja magia e não há magia que não seja arte.



    Juca Amélio

    Crítico de arte nascido no Porto, Portugal em 1968

    REFLEXÃO - Cronotopos Urbanos

     Ursula Tautz
    Ursula Tautz. Sem título – Frei Caneca, 139, Centro, Rio de Janeiro, 23.05. 2009.
    Da série “Mesmo depois de agora, nada será como nunca foi”.


     Cidades imaginárias

    “Cidades em metamorfose, símbolos se vão, caem, são reerguidos, vazios se ocupam. Espaços se arquitetam e re-significam, modificando memórias, transformando identidades. O Cronotopo das cidades se altera, as relações espaço-tempo, histórico-sociais se formam baseadas nos novos códigos dos novos tempos e das novas percepções.”


    Utilizo a re-significação do espaço urbano como principal questão para minha obra, propondo uma reflexão sobre os lugares e não-lugares que nos cercam. Ao registrar a transitoriedade das cidades afasto-me da documentação para mergulhar no imaginário, os lugares, re- significados, só existem na percepção do observador Minhas imagens, fotomontagens e esculturas-intervenções remetem a territórios diferentes do que ocupamos, questionando nossas relações. Através da proposição de uma nova arquitetura, - a partir da relação entre o espaço, o tempo, e o cidadão, nasce um novo cronotopo, o cronotopo da cidade imaginária, apontando as crescentes modificações que ocorrem em todas as grandes metrópoles e as consequentes perdas de identidade dos locais. 


    Ursula Tautz

    Artista Visual

    MARIA HELENA BASTOS - A vontade de pintar numa ação positiva: do corpo ao pó, do pó ao corpo


    Maria Helena Bastos,
    Sem título, óleo sobre tela.
    Ostracismo, solidão, interioridade. Há várias maneiras de se voltar pra si mesmo, numa busca equilibrada por autoconhecimento. Talvez as imagens produzidas pela artista plástica Maria Helena Bastos partam de um universo em escala microscópica interior, o que não significa dizer que sua obra não alce uma categoria de identificação universal, uma vez que atravessa as formas orgânicas e inorgânicas das quais todos nós compartilhamos, e consequentemente, somos feitos.

    Assim como Jean Dubuffet e suas “empreintes”, voltando seu olhar na tentativa de reabilitar todos os detalhes que o cotidiano torna invisível e que se encontram flutuando no interior de um minúsculo aglomerado de poeira, a artista em questão parece se munir de uma poderosa lente de aumento, não se sabe se com curiosidade empírica ou lúdica, mas, certamente exercitando uma imaginação ligada à questão da matéria e da forma.

    Desenhista por excelência, seu traço suave não esconde a potência que as manchas imprimem em sua obra, conferindo quase sempre aspectos citológicos insuspeitos. Dos poucos riscos finíssimos e capilares que sobressaem em alguns de seus desenhos, escapando a dissolução gradual das manchas é possível perceber certa relação com a obra do artista americano Cy Towmbly, sobretudo, a partir de sua predileção por tons de cinza que dão materialidade ao seu estilo caligráfico frenético-expansivo. 

    No que diz respeito às pinturas da artista é preciso em primeiro lugar ressaltar sua maestria técnica. Este completo domínio das técnicas de pintura, aquarela e guache simultaneamente torna, por vezes, difícil a identificação dos materiais utilizados por Maria Helena Bastos.
    Sua pintura a óleo normalmente compartilha da delicadeza diluída das aquarelas, e assim, as manchas são produzidas por meio de sucessivas camadas ultrafinas, veladuras que variam entre tons luminosos e telúricos que parecem atribuir movimento às imagens congeladas na percepção do instante.

    A narrativa de tais pinturas parece caminhar rumo a uma cobertura histológica, como que anunciando a partir de uma dimensão microscópica para uma dimensão macroscópica e mais complexa, a construção orgânica de corpos animais ou sua tessitura, ao menos. 
    Este verdadeiro “vir-a-ser” produzido poeticamente através de um vasto conteúdo imagético, que pode ser interpretado por etapas é confirmado em suas obras mais recentes onde a figura de corpos, principalmente humanos em pedaços, começa a se revelar. Contornos de corpos nus de homens e mulheres anônimos e de outros animais se misturam na indiferença da cena banal, cotidiana, tão comum, discreta e solitária quanto a poeira eternizada nas abstrações de Dubuffet.



    Renata Gesomino

    Crítica de arte e curadora independente. Doutoranda pelo PPGAV – UFRJ.