sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

MARIA HELENA BASTOS - A vontade de pintar numa ação positiva: do corpo ao pó, do pó ao corpo


Maria Helena Bastos,
Sem título, óleo sobre tela.
Ostracismo, solidão, interioridade. Há várias maneiras de se voltar pra si mesmo, numa busca equilibrada por autoconhecimento. Talvez as imagens produzidas pela artista plástica Maria Helena Bastos partam de um universo em escala microscópica interior, o que não significa dizer que sua obra não alce uma categoria de identificação universal, uma vez que atravessa as formas orgânicas e inorgânicas das quais todos nós compartilhamos, e consequentemente, somos feitos.

Assim como Jean Dubuffet e suas “empreintes”, voltando seu olhar na tentativa de reabilitar todos os detalhes que o cotidiano torna invisível e que se encontram flutuando no interior de um minúsculo aglomerado de poeira, a artista em questão parece se munir de uma poderosa lente de aumento, não se sabe se com curiosidade empírica ou lúdica, mas, certamente exercitando uma imaginação ligada à questão da matéria e da forma.

Desenhista por excelência, seu traço suave não esconde a potência que as manchas imprimem em sua obra, conferindo quase sempre aspectos citológicos insuspeitos. Dos poucos riscos finíssimos e capilares que sobressaem em alguns de seus desenhos, escapando a dissolução gradual das manchas é possível perceber certa relação com a obra do artista americano Cy Towmbly, sobretudo, a partir de sua predileção por tons de cinza que dão materialidade ao seu estilo caligráfico frenético-expansivo. 

No que diz respeito às pinturas da artista é preciso em primeiro lugar ressaltar sua maestria técnica. Este completo domínio das técnicas de pintura, aquarela e guache simultaneamente torna, por vezes, difícil a identificação dos materiais utilizados por Maria Helena Bastos.
Sua pintura a óleo normalmente compartilha da delicadeza diluída das aquarelas, e assim, as manchas são produzidas por meio de sucessivas camadas ultrafinas, veladuras que variam entre tons luminosos e telúricos que parecem atribuir movimento às imagens congeladas na percepção do instante.

A narrativa de tais pinturas parece caminhar rumo a uma cobertura histológica, como que anunciando a partir de uma dimensão microscópica para uma dimensão macroscópica e mais complexa, a construção orgânica de corpos animais ou sua tessitura, ao menos. 
Este verdadeiro “vir-a-ser” produzido poeticamente através de um vasto conteúdo imagético, que pode ser interpretado por etapas é confirmado em suas obras mais recentes onde a figura de corpos, principalmente humanos em pedaços, começa a se revelar. Contornos de corpos nus de homens e mulheres anônimos e de outros animais se misturam na indiferença da cena banal, cotidiana, tão comum, discreta e solitária quanto a poeira eternizada nas abstrações de Dubuffet.



Renata Gesomino

Crítica de arte e curadora independente. Doutoranda pelo PPGAV – UFRJ.

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