Maria Helena Bastos, Sem título, óleo sobre tela. |
Assim como Jean Dubuffet e suas “empreintes”, voltando seu olhar na tentativa de reabilitar todos os detalhes que o cotidiano torna invisível e que se encontram flutuando no interior de um minúsculo aglomerado de poeira, a artista em questão parece se munir de uma poderosa lente de aumento, não se sabe se com curiosidade empírica ou lúdica, mas, certamente exercitando uma imaginação ligada à questão da matéria e da forma.
Desenhista por excelência, seu traço suave não esconde a potência que as manchas imprimem em sua obra, conferindo quase sempre aspectos citológicos insuspeitos. Dos poucos riscos finíssimos e capilares que sobressaem em alguns de seus desenhos, escapando a dissolução gradual das manchas é possível perceber certa relação com a obra do artista americano Cy Towmbly, sobretudo, a partir de sua predileção por tons de cinza que dão materialidade ao seu estilo caligráfico frenético-expansivo.
No que diz respeito às pinturas da artista é preciso em primeiro lugar ressaltar sua maestria técnica. Este completo domínio das técnicas de pintura, aquarela e guache simultaneamente torna, por vezes, difícil a identificação dos materiais utilizados por Maria Helena Bastos.
Sua pintura a óleo normalmente compartilha da delicadeza diluída das aquarelas, e assim, as manchas são produzidas por meio de sucessivas camadas ultrafinas, veladuras que variam entre tons luminosos e telúricos que parecem atribuir movimento às imagens congeladas na percepção do instante.
A narrativa de tais pinturas parece caminhar rumo a uma cobertura histológica, como que anunciando a partir de uma dimensão microscópica para uma dimensão macroscópica e mais complexa, a construção orgânica de corpos animais ou sua tessitura, ao menos.
Este verdadeiro “vir-a-ser” produzido poeticamente através de um vasto conteúdo imagético, que pode ser interpretado por etapas é confirmado em suas obras mais recentes onde a figura de corpos, principalmente humanos em pedaços, começa a se revelar. Contornos de corpos nus de homens e mulheres anônimos e de outros animais se misturam na indiferença da cena banal, cotidiana, tão comum, discreta e solitária quanto a poeira eternizada nas abstrações de Dubuffet.
Crítica de arte e curadora independente. Doutoranda pelo PPGAV – UFRJ.
Nenhum comentário:
Postar um comentário