sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

LANÇAMENTO - Sonho pra fazer e faço: o sonho e a criatividade


Livro “A Casa da Flor - Tudo caquinho transformado em beleza”


Neste ano a Casa da Flor completa cem anos. Gabriel Joaquim dos Santos, autor e solitário morador desde 1912, viveu nela até falecer em 1985.

Nasceu ele em 1892. Seu pai tinha sido escravo e comprou um terreno no Vinhateiro, município de São Pedro da Aldeia. A família- pai, mãe (era uma índia) e doze filhos- mudou-se para lá. Os irmãos trabalhavam na roça. Um deles era carpinteiro e as mulheres faziam cerâmica. Não freqüentaram escolas porque não as havia no local, espécie de gueto onde moravam os negros pobres. Aos vinte anos, resolveu viver sozinho, num claro processo de individuação, de crescimento. Levantou primeiro um quartinho ao lado da casa dos pais. 

Em 1923 sonhou com um enfeite na parede de seu quarto. Ao acordar, resolveu seguir a inspiração. Mas como fazer? Não tinha os recursos para a empreitada. Encontrou uma única solução: apanhar no lixo objetos quebrados, restos de construções locais, lâmpadas queimadas e tudo aquilo que não servia para mais nada. A partir de então continuou a criar enfeites seguindo os sonhos e os seus devaneios quando se recolha à noitinha para dormir.  Muitas flores, mosaicos, esculturas foram sendo criados e aplicados nas paredes internas e externas da casa, no muro que a circundava e na escadinha que leva até ela. Ele mesmo estranhava seu processo de criação e dizia: ”Não sei o que tenho com os cacos: quebra um prato, fico tão contente que me dê um caco, depois vou transformar o prato numa flor. Fico tão satisfeito”.

Impressiona sua obstinação em seu projeto de embelezamento de seu lar durante sessenta e três anos, até morrer, sua integridade enquanto artista, sua inteireza, sua honestidade, apesar de todos os preconceitos com que teve que lidar: era negro, pobre, analfabeto, filho de um escravo e de uma índia e trabalhava com o lixo, com tudo aquilo de que ninguém quer saber! Era visto na comunidade e na família como louco, um “fraco das idéias”. Um comportamento tão sem sentido, novo, diferente, absurdo!  Hoje,  a reciclagem é aceita e até estimulada por todos mas na década de 20 era espantoso, digno de repulsa. Meditava sobre o que lhe acontecia: “Isso não é só de mim! Deus me deu coisa pra fazer que vem um aviso, vem aquela coisa no sentido, no sonho, que eu faço!” ”Aí tem um mistério na minha vida que eu mesmo não posso compreender!”” Isso é coisa do espírito...isso é coisa que já vem, é pessoa que já nasceu pra essas coisas!” E conclui: “A casa depende do espírito, é uma casa espiritual!  Eu não tive mestre, eu não tive escola, aprendi no ar, aprendi no vento!”


  “A Casa da Flor - Tudo caquinho transformado em beleza”
  Lançamento dia 20/12/2012, às 18h
 Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, à rua do Catete, 179. 
Trechos das entrevistas com o artista, noventa fotografias, uma análise de seu trabalho e depoimentos de intelectuais formam o corpo do trabalho.

  

Amelia Zaluar

Professora, autora da pesquisa sobre a Casa da Flor e de outras manifestações da Arte e do Artesanato Fluminense, fundadora e diretora do Instituto Cultural Casa da Flor.

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