sexta-feira, 10 de agosto de 2012

BISPO DO ROSÁRIO I - Fé, Criação e Glória

Bispo é o verdadeiro Céu da criação.

O céu está em nós. Esse céu é o do desejo.

O desejo cria um céu onde o artista viaja e constrói uma poética visual que acolhe, envolve e transmuta. É o céu do criador.


Arthur Bispo do Rosário dominou essas três formas de sentidos. A fé na qual ele se reconstruiu através da religiosidade e do compromisso com a sua obra, a Criação, como um sintoma de saúde no seu próprio surto. Elas o fizeram criar e construíram uma segunda pele. Bispo do Rosário dizia: “Eu sou o próprio criador, você esta falando com ele”.

E, por fim, Glória, que representa chegar ao apogeu da sua realização. Ele sabia muito bem que estava produzindo uma obra única e muito importante para a história da arte brasileira, descoberta nos últimos tempos e agora reconhecida pelos especialistas em arte no mundo.

Com essa atitude, Bispo cria uma “Nova Arte”, pensada conceitualmente e realizada por um Artista Criador que faz as pessoas voltarem a se emocionar com um objeto de “arte”. Seu bordado é uma assinatura, uma escritura da sua vida que constrói memórias do futuro. Só a “Arte” nos permite expandir as pulsões da vida.



“Não me interesso pela história da arte, pelas academias de estilos, são uma série de modismo. A arte não fala sobre a arte. A arte fala sobre vida”.
Louise Bourgeois

Seu único compromisso era com o seu próprio dever. Seu surto serviu para acolher o tempo do silêncio para produzir e para permitir que Arthur Bispo do Rosário utilizasse a instituição como atelier, casa e espaço de investigação.

O que encanta e nos faz refletir é como uma pessoa fora da sociedade e da academia podia criar com tanta conectividade vivendo interno numa instituição psiquiátrica em plenos anos 1930 com tantos preconceitos e normas. Cria com uma pureza não ingênua que se transforma a cada olhar e se firma como um dos pioneiros no segmento da arte contemporânea em um momento em que não se falava e nem se escrevia muito sobre esse tema. Arthur Bispo do Rosário estava fora do seu tempo, pois seu tempo é o atual. Ele fez uma arte na qual ainda estamos mergulhados para tentar entender (ou será que temos apenas que admirar?).

Arthur Bispo do Rosário, Lygia Clark e Hélio Oiticica são os mais importantes artistas do século XX, deixaram uma marca importante na cultura brasileira e marcaram muitos artistas na cena internacional. Hélio dizia que fazia música e não arte, Bispo dizia não ser artista e Lygia trocou o sentido da arte de ver para tocar.

Bispo fala de filosofia, fala de literatura, fala de música, fala de vida e poesia. Minha relação com o Bispo vem pela arte se construindo ao longo do tempo e sempre procuro trazer para a superfície seus segredos guardados e seus questionamentos para criar. Para mim, o que interessa no Bispo não é sua loucura, mas sua arte que transformou minha vida e de muitos. Salve Bispo!

Ele é um dos poucos artistas afro-descendentes brasileiros, junto com Aleijadinho, Mestre Valentim, Manuel da Costa Ataíde, Antônio Bandeira e, atualmente, Marepe e Rosana Paulino, que tem um compromisso com a arte social e política no Brasil de hoje. Isso esclarece que o preconceito não é apenas com os loucos. Os negros foram muito influentes na formação cultural brasileira e sem a entrada dessa raça não seríamos “Brasil”.

Na literaratura, é de Manoel de Barros, um dos maiores poetas brasileiros, a autoria da homenagem ao artista:

“Arthur Bispo do Rosário se proclamava Jesus”. Ele não precisava ser ou muito menos desejar ser: ele simplesmente era. Dispensava quaisquer intermediários, mediadores ou equivalentes. E, além do mais, também valorizava insignificâncias.

Disse ainda o poeta que “Arthur Bispo do Rosário acreditava em nada e em Deus”. Se, num primeiro momento, podemos tomar nada e Deus como semanticamente opostos, num posicionamento mais crítico podemos nos perguntar se nada e Deus não estão, ao contrário, muito próximos, e são, bem dizer, sinônimos. Afinal, nos meandros da mente extasiada e dos desconcertantes discursos desse artista, fulgura o encontro com o nada, ou melhor, com Deus. Os criadores são poetas dos nossos sonhos e da realidade da vida, e Bispo continua sendo um verdadeiro criador de sonhos até os dias atuais com suas surpresas ao apresentar sua construção do próprio fio para criar.


Ele pode até se intitular “Deus”, um deus da sua própria criação. Esse era o verdadeiro ‘Deus de Bispo’. Um criador do próprio mundo e a partir do compromisso do seu ‘Eu’ no mundo, em representações de cenas, da geografia, da arquitetura, do urbanismo, da poesia e da vida através do fazer e realizar sua obra única.



Matéria 1 de 3. Continue lendo: Bispo do Rosário - parte II


Wilson Lazaro
Curador Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea-MBR AC


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