sexta-feira, 18 de maio de 2012

KARLA GRAVINA - Taxonomia de dois infinitos

Obsessivamente, Karla continua perseguindo seu inventário-classificação das formas complexas que brotam espontaneamente de seu imaginário. São formas orgânicas, estranhas, que surgem de um imaginário em expansão, como em um movimento espiralado encontrado no eixo das conchas, tantas vezes desenhadas por Ernst Haeckel.

Pois, como não aproximar tais desenhos meticulosos dos estúdos morfológicos desse biólogo do século XIX, discípulo de Darwin, misturando em suas observações espanto e precisão diante da biodiversidade, uma biodiversidade que em sua arquitetura íntima mostra-se recheada de infinitos .

Também podemos identificar nos desenhos de Karla padrões estruturais básicos encontrados nas formas orgânicas de Haeckel: explosão, ramificação, espiral, meandros. Mas Karla acrescenta ao inventário das formas naturais um repertório próprio transmutado pela sua imaginação. Em seus devaneios, ela assim adivinha um devir das formas da natureza pela natureza das formas e se enxerta deste modo nesta morfogênese universal que dá à vida seus vários aspectos.

Seu inventário não deixa escapar nada dessa vitalidade das profundezas coletada em sua secreta natureza, e que parece florescer em cada página. Assim, tal qual um taxonomista aventuroso observando meticulosamente as variações das espécies, entramos com seus desenhos, em Terras longínquas e incógnitas. Pois a imagem cósmica não é fruto de uma percepção banal, ela nasce de um desejo de ver além, numa outra visão. Bachelard já dizia: “Todo devaneio cósmico é um além da Percepção, nele rompe-se a distância entre o sonhador e o mundo. Numa contemplação plena, o sonhador e o seu mundo estão em comunhão, quase se tocando.”

Nesses desenhos, onde o espaço é aprisionado num novelo de traços, o fruidor aninha-se em um Universo singular; torna-se um sonhador de mundos. Um mundo agora objetivado por desenhos de “quase observação”. Tocamos assim, pelos olhos, os vestígios de um Mundo. “O devaneio cósmico nos faz habitar um mundo, pela cosmicidade da imagem nós recebemos uma experiência de mundo”, nos diz Bachelard.

São entrâncias, saliências, topologias complexas num emaranhado de linhas conduzindo a vários infinitos se entrelaçando como em uma “Fita de Mobius”. Só a imaginação adentra tais entranhas do espaço. “Aqui duas profundezas se conjugam, se repercutem em ecos, que vão da profundeza do ser do mundo à profundeza do ser do sonhador” (Bachelard).

Afinal, esse trabalho é a Taxonomia de dois infinitos se conectando. Mas tais desenhos miniaturas, moradas de múltiplos infinitos, revelam no fundo uma potência do ser. “Eu me sinto vasto, quando eu sonho com o infinitamente grande e com o infinitamente pequeno”, nos diz Yves Klein.

Não é só pela espacialidade desses desenhos que somos convocados para uma experiência de mundo, mas também por uma temporalidade outra, pois essas formas lembram formas de vidas elementares, primitivas, são formas de uma gênese da criação. Somos conduzidos em um mundo em gestação. Um tempo cósmico ancestral as habitam e através dele a artista nos conduz em um tempo de origem. Karla traduz em seus desenhos uma cosmogênese do olhar, uma cosmogênese em seu processo evolutivo e que figuram em páginas de enciclopédias antigas, preservadas do esquecimento. Esse é o Resgate de uma cosmologia do olhar, do espanto primeiro nascido da conexão misteriosa entre a Mão e o infinito em nós.


Pierre Crapez
Curador /crítico de arte


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